Poemas/Audição

Aproximação


A palavra não tem lei
Vem das divas em camas de mármores
Sulfato licoroso de prazer
A palavra reina em quaisquer elementos
Valiosa em todas direções
A palavra inspira
Sentidos nus deleitam a noite
E o que se percebe de poder
A palavra doma
O poeta adormecido em si
Planta arquétipos e estradas
A palavra não tem dó
Goza suas intrigas
Saliva sua infâmias
Algo sério em tempos de hoje
Ter palavra e ser poeta


Am e Fm


Ofélia sente-se ofendia por Shakespeare
Bonitinha jamais vestirá Rodrigues
Teatro consome Martinez
Oficina é Radical até chegar a Holanda
Canto marginal de Plínio
Alencar resgatou sua Iracema
Pessoa possui seus heterônimos
Amado ama Glauber
Vinícius tocou Jobim
E Caetano tornou-se bacante
Bárbaros Doces de um Ednardo
O Novo Pessoal falhou Fagner
Chacrinha desenhou seus versos
Torquato absorve Roberto
Elis, Cidadã Instigada
Dulce, princesa sem radio
O Brega tornou-se Cult
E o Cult miserável
Vamos falar de Beatles ou Stones?







Ei meu velho amigo

Lembrar de momentos inexplicáveis,
congela o coração saudoso de ausência
aquele palco ainda nos veste,
nas lembranças adormecidas, cansadas
o vinho emudece a razão dos pares inexpressíveis.
Éramos apenas nós  e um pouco de ilusão coletiva
as luzes de teu figurino colorido
brotam ainda em meus retratos
a água transparecera tão sincera
que o mar tornou-se espírito.
Aprendíamos sobre a complexidade de nossos vazios
suportávamos a despedida?
de forma alguma,
queríamos estar sozinhos novamente
mero delírio
nascemos para o abandono
os longos fios
 tecidos de experiências embranqueceram em êxtase
sinfonia cúmplice de artistas
a visão que o quadro impera,
sobrepõe o inesquecível efêmero
não queríamos ser
 instantes de gulas fraternas
haveria mais atmosfera por conta da desobediência
do que o medo de perdê-la
frágil é
a cor dos nossos destinos
triste é
a alegria de modificarmos o nada
insensatez é
a palavra dos poetas já falecidos
não percebemos ainda  o motivo?
não escrevemos a literatura  da vida?
não contamos estórias irrefutáveis?
o paradoxo da saudade
 invade o instinto real do homem
que por ser homem, desespera-se e parte
covarde é  a continuidade da estrada já esquecida
um beijo mortal aos antropólogos profetas
em nenhum momento
entendem que o bicho homem,
este, não se estuda, nem tenta
parecíamos dois inusitados venenos cardíacos
a ponto de nos explodirmos com maestria
mas  foste tu o primeiro a povoar as ruínas do enterro
neste segundo, calo-me e respiro
em que parte do mundo
flutuam agora minhas palavras
somos não mais, sou apenas
quais tempos ainda me restam de prazeres
divinos?




Domingo

Quero presentear o ar com meus versos
Incitar a poeira com ilusão
Desfazer bandeiras amarrotadas de paixão
Encontrar o túnel que me leve à paz
Desejar o canto
Profanar o santo
Existir
Quero entender a chuva com minhas mágoas
Incitar a desobediência com palavras
Desfazer barreiras de poesias ingratas
Encontrar a luz que me leve à noite
Desejar o canto
Profanar o santo
Existir
Quero inventar o sonho com minha visão
Incitar o vento com as cobertas
Desfazer os vícios encardidos de ódio
Encontrar o ponto que difere o real
Desejar o canto
Profanar o santo
Existir
Quero conceber o drama com meu sorriso
Incitar o verbo com a ignorância
Desfazer as culpas banhadas de despedidas
Encontrar o amor acima de qualquer substância
Desejar o canto
Profanar o santo
Existir



Saber


Quando o sonho acorda o íntimo
Previsões para mais uma noite; será mais uma noite
 Palavras confusas ladram os inquietos seres de terras nuas
 Por saber, o vento cala -se
Por conhecer, o tempo curva-se
Será apenas orgasmo ou epifania ?
Segredos solitários transcendem  à meia - noite
Dependência de karma
Solicitação de carinho
Mas, quão vivo o sonho toca, a velha mão  rejuvenesce
 Tentativas de vinhos puros
 Tentativas de pensamentos puros
 Estranha sensação de ganho
 As letras rendem-se ao imediato
 Fluir é para os pássaros  não para os insanos
 A primeira lição sobre si mesmo, está findando
 O gesto sublime de encontrar
 O gesto sublime de encontrar -se
 Previsões para mais uma noite; será mais uma noite
 Sabe, quando o sonho acorda o íntimo?







De um lado para outro
 (ou  a trajetória de um romance separado)

Estou contigo, estou contida
Fica mais uma noite, amanhece bem distante
Quero um beijo, o ar me falta
Sinto tédio, peso de tempos
O mar acalma, a brisa congela
Pensamentos no futuro, 
o passado limpa-se com toalhas secas
Quanta frieza, quanta grandeza
O amor definido em espaços distintos
Minha boca sorri, meu coração chora
Queres cuidar de alguém, adote meu espírito
Mas não terás meu corpo, mente e sentimentos
Não finjo orgasmos, apenas não os tenho com freqüência
Pelo menos, com você
Sou mulher feita, metade tudo, metade nada
Um pouco de delicadeza não faz mal a ninguém
Nem Deus consegue rezar por todos seus filhos
Prefiro ser estéril
Não deixarei medos espalhados pelo quarto
Coloque para debaixo do tapete
 a aliança que ficou apertada em meus dedos de sangue
Não apertarás novamente  meus seios doloridos, 
estou completamente apaixonada
Por mim, mesma.
Suportarás minha felicidade, meu romance separado?
Entendes uma mulher?



Convite

Eis que a bruxa chega
Encantos disfarçados de verdades
A bruxa toca a pele vermelha
Sente o pulso de suas entranhas
 Prepara a porção
Ao vôo, todas as receitas cristãs
A bruxa planeja seu destino
A pele torna-se vestido vermelho
 Índices após os capítulos
Gerações de confusos poetas
Caos imediato à magia
Porém, a bruxa sorri
Sabe o efeito de suas entranhas
Menstrua suor e orgasmo
Deita em seu trono e interpreta
Talvez para isso sirvam as bruxas



Para ela parte 1

Nem sempre é o que parece ser
Afinal,
Somos tão vagos
Minha pele está dilatando
Minha boca está disposta à dor
Tenho meu grito encravado na angústia de um
sono profundo
O que me faz rir, desespera-me
A doce loucura da noite reserva-nos intensa
discussão entre a mente e os nervos
Nefasta aptidão por uma ajuda
Ajude-me, caro leitor
A não perder-me de vez
Não quero saciar prazer algum
Acho que não mereço ser infeliz,
Mas tento.
Minhas palavras são letras banhadas em sal
Mais intenso torna-se o pedido
Está tudo tão quente
Derreto-me por inteiro
A distância entre o centro e o vazio é a
intolerância
Somos versos de um dicionário sombrio escrito
pelo amor e seus desastres
Somos versos de um dicionário sombrio escrito
pelo amor e seus desastres


Para além dos entendimentos óbvios

Nisto, ela é capaz
Gostar do que sinto
Povoar minha solidão
Desculpar minhas culpas
Distrair a coisa bela
Flutuar sem remorso
 Quão honesta a força sincera
O vinho torna-se noite
E do vinho, a culpa
Nisto, ela é capaz
Saciar meu desejo
Desovar minhas virtudes
Em seu leito nupcial, aprofundar o canto triste
Sentar-se em volta das estrelas
Ser uma estrela
Nisto, ela é capaz
O fato imutável da beleza
Por não perceber-se puro
Embriaga-se com deus e suas ruivas
Até os animais noturnos protegem seus medos
Ela me congela
Ela me aquece
Ela me serve
Nisto, ela é capaz
Cozinhar meus órgãos com temperos de lua



Cotidiano

Acendo um cigarro
Em frente, o mercado
Uma sirene de bombeiros alarde
O segurança desconfia de meus óculos escuros
Mas eu também tenho minhas inseguranças
As famílias transitam levando seus suprimentos
para os ninhos
Necessito urgente que alguém me doe um
sorriso
Não há crianças por perto
Tenho o coração triste
Adentro, aniquilado em minhas memórias
 Estou saciado e confuso
O cigarro termina
Retorno de carona para minha insignificância
Espero que o tempo melhore
Espero que dê tempo



Apelo
          
Hoje, 22 de janeiro de 2011,  morreu a palavra Saudade
Ela viveu durante muito tempo nos inabitáveis corações noturnos
Cresceu e se desenvolveu em poemas, músicas e peças
Foi responsável por idas e vindas de muitas relações humanas
Mas consumiu e foi consumida por todos carinhos que não conseguiram se tocar
O que a fez doente, foi perceber que os beijos não eram mais verdadeiros
E que a vontade da presença era um misto de egoísmo e solidão
Então a saudade foi sendo esquecida, quando novos planos substituíram o amor
E sem amor, não há saudade
Ela tentou bravamente resistir, pelo menos nas letras de alguns poetas
E estes também, aos poucos, foram sendo esquecidos
Havia uma atmosfera de tristeza quando a saudade respirou seu último ar
Uma tristeza sentida nos quatro cantos do mundo
Nenhuma chuva foi suficiente para tanta lágrima derramada
Em seu último suspiro, a saudade lembra como foi seu nascimento
Sua origem, o seu porquê
Ela nasceu da união entre o sentimento e a razão
E teve como destino ser a visão da despedida
É solicitado às pessoas que têm o amor como essência
Para trajarem seus mais belos lutos
E quando alguém que não conheceu a saudade perguntar
- Como se escreve saudade?
Ofertem-lhe um sincero abraço



Simples ou Complicado

Um beijo
União entre lábios, simples
União entre corpos, simples
União entre espíritos, simples
Complicado unir tantas simplicidades
Complicado unir técnica e prática
Complicado unir causas e conseqüências
Mas, é tão bom beijar
Tão bom ser beijado
Um beijo
União entre línguas, simples
União entre sexos, simples
União entre corações, simples
Complicado unir tantas simplicidades
Complicado unir seco e molhado
Complicado unir vida e morte
Mas, é tão bom beijar
Tão bom ser beijado
Um beijo
União entre céu e boca, simples
União entre sala e cama, simples
União entre ficar e viver, simples
Complicado unir tantas simplicidades
Complicado unir sentimento e palavra
Complicado unir começo e fim
Mas, é tão bom beijar
Tão bom ser beijado
Um beijo



                                                                          Não foi? 
                                                                                
É com carinho que escrevo: partirei
Teu rosto jovem continuará jovem em minha visão
Tua boca que não provei continuará falando em meus sonhos
Teu corpo que não tive permanecerá virgem em meus desejos
O que esperar da distância senão um oceano repleto de saudades
Não esquecer  das  palavras testemunhadas pela Lua
Não esquecer  da  voz suave e alegre
Será que foi imaginação?
Toda essa vontade!
Compartilhemos a responsabilidade de um amor impossível
Isso fará diferença em nosso impossível reencontro
Teus olhos pintados estarão sempre em minhas telas
Teus pés de anjo seguirão a sombra de meus passos tristes
Tua forma de ver a vida se encarregará de viver bem longe de mim
Quanto perigo, Meu Deus
Quase ficamos juntos
Por um triz, não foi?


For All, For Me

Fortaleza, eu te dei tudo
Nascimento, infância e adolescência
E agora sou adulto e nada sou
Fortaleza,  três reais e setenta e cinco centavos
Dezoito de fevereiro de dois mil e onze
Trocarei contigo minhas dívidas
E tu trocarás meus nervos
Não suporto minha própria mente
Fortaleza, quando daremos fim
À guerra provinciana?
Foda-se com tua arrogância medíocre
O receio da proteção nos intimidou
Não me sinto bem, não me aborreçam
Somente escreverei quando minha mente
Estiver em paz
Fortaleza, quando acreditarás em anjos?
Quando te despirás?
Quando olharás para ti através do túmulo?
Quando serás merecedora de teus artistas?
Fortaleza, por que teus Theatros estão cheios  de lágrimas?

                        
                      
                 Será bom para você?                 

Vamos, não temos muita noite
Possua-me com todas tuas forças
Quero sentir-me inteira dentro de ti
Embriaga-te com meu orgasmo
Beba tua masculinidade entre minhas pernas
Jorre-me tuas vontades onde queiras
Vamos, deixa-me sentir o gosto amargo do teu gosto
É impuro; é intenso
Faz de mim a comida
Sentir-me a ceia desta madrugada sem estrelas
Não permitirei que sonhes quando adormeceres
Serei tua fêmea efêmera
Apenas esta noite
Neste quarto sem ar
Apenas esta noite
Não quero mais ser virgem




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